A transcendentalidade do eu humano

Rimberg Tavares
3 min readOct 27, 2022

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A Morte de Sócrates (1787). Jacques-Louis David (1748–1825).

Por Rimberg Tavares

A revelação divina sustenta claramente o conceito de que o ser humano é imago Dei. Quanto a sua origem, a palavra diz: “à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gênesis 1. 27). O homem criado à semelhança de Deus possui em sua essência atributos compartilhados pelo Senhor: sua racionalidade, sentimentos e criatividade. Tal característica diz muito a respeito da natureza humana e seu destaque perante toda a criação, pois de glória e honra o Senhor coroou o ser humano criado à Sua imagem (Salmos 8. 5). Mas o sentido de imago Dei não diz respeito apenas à sua origem, além da perspectiva diferenciada em relação à criação, esse fato também diz muito sobre a necessidade de completude em vida e o destino futuro da humanidade.

Herman Dooyeweerd, em seu livro “No Crepúsculo do Pensamento Ocidental”, cita que a pergunta “O que é o homem?” ainda ocupa um lugar central no pensamento contemporâneo, embora essa não seja uma questão nova. Sócrates, que viveu até por volta de 400 a.C., já tinha como obsessão a busca por sabedoria conhecendo a si mesmo (p. 223). O questionamento de Sócrates perpetua até hoje, na sociedade contemporânea o homem ainda pergunta: “Quem sou eu?”.

Um dos pontos que Dooyeweerd levanta é que o homem moderno perdeu seus traços pessoais e vive o padrão de comportamento regido pela sociedade impessoal. Nesse contexto, a personalidade espiritual do homem é perdida, as interações familiares são enfraquecidas e a vida congregacional deixa de fazer sentido, resultando em uma falta de interesse pelo que é sagrado. O homem moderno trocou a fé em Deus pela fé no próprio homem, o iluminismo levantou o ideal de uma humanidade perfeita que é tudo em si mesma e que resultou numa perda do eu humano, tendo em vista que este abandonou sua essência ao não se reconhecer mais como imagem de Deus. A decadência espiritual decorrente de tal ideologia já havia sido predita por Jesus ao falar dos sinais do fim dos tempos. Guerras e rumores de guerras, pai contra filho, filho contra pai, nação contra nação, reino contra reino.

Ao buscar em si mesmo a resposta para quem é, o homem contemporâneo deixou de perceber de onde veio e de quem veio, sua procura de sentido tornou-se vazia e direcionada a satisfazer seu próprio ego. A partir dessa perspectiva, a sociedade atual encontra a liberdade do seu eu, considerando em sua própria existência o sentido máximo da vida e centrando em si mesmo todas as demais peças da realidade.

No entanto, uma antropologia verdadeiramente bíblica e cristã aponta para a transcendentalidade do eu humano, cuja existência vai além de si mesmo, apontando para a sua Origem, para a necessidade de uma relação íntima com o Senhor, por quem foi criado à imagem e semelhança. Quando Cristo afirma que todos os demais mandamentos se resumem em amar a Deus acima de todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo, está enfatizando que o suprassumo da existência humana consiste nessas três relações. Em outras palavras, a centralidade do eu humano está primeiramente em Deus, em segundo lugar em si mesmo e em terceiro no relacionamento com seus semelhantes.

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Ensaio (editado) elaborado em novembro/2021 para o Curso de Pós-graduação Deus, o Cosmos e a Humanidade da Academia ABC2 — Disciplina Ciências Humanas e Antropologia Cristã, ministrada pelo professor Josué Reichow.

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Rimberg Tavares

Engenheiro. Especialista em Ciências Contemporâneas e Teologia Cristã.